ENTENDENDO O POLTERGEIST
Texto de Paulo Urban, publicado na Revista Planeta, edição nº 373, outubro/2003
Dr. Paulo Urban é médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento
Um dos mais insólitos fenômenos do universo da parapsicologia a desafiar nossa compreensão, sem dúvida é o poltergeist, que tanto nos assombra com a imprevisibilidade de suas diferentes ocorrências. Entre suas manifestações mais conhecidas estão, por exemplo, o surgimento de fogo espontâneo ou poças d’água em ambiente fechado e doméstico, a chuva inexplicável de pedras (aparentemente provenientes do nada, que invadem determinado recinto), a materialização de objetos da mais variada natureza (incluindo o “vôo” caótico destes, que “levitam” ou são jogados do lugar onde se encontram), ou ainda pancadas fortes sem causa lógica que as explique, bem como o funcionamento de motores ou aparelhos eletrônicos desligados da fonte de energia, etc…
O nome poltergeist provém do verbo alemão poltern, que significa fazer ruídos; acrescido à palavra geist, cujo significado é o de fantasma, gênio ou espírito. O termo já era corrente na Alemanha do século XVI, tendo sido empregado até mesmo por Martinho Lutero para designar demônios barulhentos e folgazões que, segundo ele, se prestavam a perturbar os cristãos em seus momentos de oração.
Tal vocábulo aparece pela primeira vez na literatura em 1848, na obra da escritora britânica Catherine Crowe, O Lado Noturno da Natureza, num capítulo intitulado O Poltergeist dos Alemães. Ao que parece, o termo seduziu Frank Podmore e Andrew Lang, autoridades da primeira geração de membros da Sociedade de Pesquisas Psíquicas (S.P.R.) de Londres, que o empregaram em seus trabalhos respectivamente intitulados Poltergeist – Procedimentos da S.P.R. (1896); e O Poltergeist Considerado Historicamente (1903).
Interessei-me pelo tema na adolescência, cumpre citar, estimulado pela leitura regular que fazia da sessão Fronteiras do Desconhecido, mensalmente publicada nesta Revista, assinada por Elsie Dubugras, hoje editora especial de Planeta. Lembro-me de que, por vezes, deixava para ler a revista à noite, na cama, para daí dormir impressionado, fomentando sonhos de um dia presenciar algo que fosse semelhante àqueles incríveis relatos. Foi em janeiro de 1985, porém, quando cursava o segundo ano de medicina, e já decidido pela psiquiatria, que pude pela primeira vez debruçar-me sobre um caso do gênero, no intuito de pesquisá-lo. Um amigo, técnico de eletrônica e hidráulica, convidava-me para visitar com ele uma casa supostamente assombrada, situada no alto de um morro, na zona norte de São Paulo. A família que ali morava, um casal e uma criança de 4 anos, presenciava batidas estranhas que pareciam provir das paredes ou dos móveis, noite a noite tornando-se mais assustadoras. O destino resolvera finalmente atender a meus apelos, e colocava-me nas mãos a oportunidade de conferir in loco as estranhas ocorrências de um possível caso de poltergeist.
Visto que em nossa primeira visita nada observamos até alta madrugada, e diante da sincera preocupação do casal (a mãe estava realmente aflita e pedia ajuda), decidimos “montar acampamento” no local, uma casa simples de três cômodos, onde passamos a dormir por várias noites. Pudemos então, por diversas vezes, constatar a realidade do fenômeno. Geralmente iniciava-se a partir da meia-noite; sempre após o garotinho estar dormindo. As pancadas costumavam flagrar-nos quando estávamos todos na sala, tomando café, conversando ou jogando cartas para passar o tempo. Começavam a ser ouvidas no armário da cozinha, e a louça sofria abalos; noite adentro o barulho tornava-se mais intenso, generalizando-se pela casa, ocorrendo também dentro do guarda-roupas da família. Era de fato intrigante. Um estudo detalhado das condições elétricas e de encanamento da casa foi feito, mas nada de errado se constatou. Incluímos visitas discretas à solitária senhora que habitava a casa ao lado, cuja parede de seu quarto de dormir, ocupada por um armário, fazia limite com a cozinha da casa investigada. A vizinha, muito velhinha, queixava-se de seus vizinhos inoportunos que, segundo ela, a desrespeitavam por deixar tantos consertos para serem feitos durante a madrugada.
O fenômeno culminante deu-se, entretanto, na segunda semana de observação. Mal havíamos começado a ouvir as já habituais pancadas, que se iniciavam de mansinho, como se tivessem que vencer uma inércia própria antes de soarem mais fortes, quando a colherinha de minha xícara de café, que descansava sobre o pires, começou a tremer sozinha. Todos silenciamos por um momento e nos entreolhamos diante do ineditismo da ocorrência. Foi quando a colher “saiu voando” feito bólido em movimento poligonal, num rápido zigue-zague, até ser atirada com força contra a parede. Nem deu tempo pra pensar; mesmo com toda a presunção de que eu pudesse realizar ali algum tipo de pesquisa científica, chocados com a absoluta falta de referencial teórico para explicar o fato, saímos todos dali correndo imediatamente, para só recuperar o fôlego lá na rua, morro abaixo. Na casa, por ironia, só sobrou a mãe, cujo instinto materno, mostrou-se bem maior que nosso medo, razão pela qual não abandonou seu filho, que dormia tranqüilo.
Na época interpretei o caso à luz de meu incipiente conhecimento da psicanálise. Inspirado no saber freudiano, ao menos pude propor ao casal que procurasse uma psicoterapia, visto que estavam em pé de separação, e intuí que a criança, inconscientemente, contrária à intenção dos pais, desencadeasse todo o exuberante fenômeno como forma de manter unida sua família, ainda que o conseguisse paradoxalmente pelo medo. Isto porque os mecanismos inconscientes nem sempre são os mais econômicos e razoáveis, embora costumem ser assustadoramente eficientes em seus propósitos. De fato, com a mudança da dinâmica familiar, os fenômenos cessaram; a separação conjugal ocorreu dali a uns anos e hoje, a criança, ora um rapaz universitário, nem creio que saiba com detalhes esta história toda.
O caso serviu-me como um “batizado” na parapsicologia. Voltei imediatamente a ler as Revistas Planeta antigas que traziam relatos semelhantes, e resolvi entrevistar-me com uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, o Engº. Dr. Hernani Guimarães Andrade, à caça de subsídios para melhor compreensão do poltergeist.
Hernani recebeu-me em seu Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas (IBPP) de braços abertos e ensinou-me muito. Ouviu-me com atenção e presenteou-me com seus livros sobre parapsicologia e uma série de monografias sobre os casos de poltergeist por ele e sua equipe investigados, ao longo de muitas décadas. Foi quando tomei contato com os clássicos casos de Suzano e de Guarulhos, por exemplo, detalhadamente esmiuçados por Hernani. Fiz a ele reiteradas visitas; li toda a sua obra e conforme novos livros seus eram editados, estudava-os com respeito e interesse. Talvez a maior lição assimilada tenha sido perceber nele um homem sábio e generoso, sem vaidades acadêmicas, sempre aberto a discutir temas polêmicos sem posar como dono das verdades. Aproveito-me deste texto para homenageá-lo postumamente, e recomendo a leitura de seus livros, especialmente Parapsicologia Experimental e Psi Quântico, ambos publicados pela editora Pensamento.
Concluindo a faculdade de medicina, tornei-me membro da Parapsycological Association, reconhecida como órgão científico desde 1969 pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, voltada que está para o estudo acadêmico e multidisciplinar da parapsicologia. Participei de Congressos Internacionais na área e estabeleci contatos férteis com outros pesquisadores. Atualmente, sem vínculos com qualquer associação, entendo estar na psicologia junguiana o melhor modelo para explicar os fenômenos parapsicológicos, particulamente no que se refere ao conceito analítico de sincronicidade, construído por Jung a partir de 1951.
Jung era também admirador de Joseph Banks Rhine (1895-1980), pesquisador pioneiro que fundou na metade do século passado seu Instituto de Parapsicologia, na Universidade de Duke, em Durham, na Carolina do Norte (E.U.A.). O trabalho de Rhine traz provas acadêmicas incontestes da existência dos fenômenos psi, via de regra desconsiderados pela psicologia e pela psiquiatria, a incluir a telepatia, a clarividência, a premonição e a psicocinesia, termo este mais adequado para referir-se ao poltergeist, posto que não inclui no próprio nome uma crença prévia de que espíritos brincalhões estejam implicados no fenômeno. O psiquiatra suíço chegou a propor o nome de Rhine para o Prêmio Nobel, uma vez que via em suas pesquisas não só um extraordinário avanço contra o generalizado preconceito científico, como também a esperança de que a parapsicologia desvendasse os mecanismos segundo os quais mente e matéria interagem espontaneamente, sempre que certas condições favoráveis o permitem.
Jung interessara-se pela parapsicologia precocemente, posto que sua infância esteve marcada por histórias de fantasmas e episódios extraordinários pertinentes à sua família. Ele próprio presenciara vários fenômenos de psicocinesia em sua vida. Escolheu como objeto de sua dissertação de mestrado de 1902, Sobre os Assim Chamados Fenômenos Ocultos, analisar o caso da Srtª S.W., pseudônimo de Helena Preiswerk, uma prima sua, em torno da qual se organizavam aos sábados sessões de suposta incorporação mediúnica.
Em 1909, Jung dirigiu-se a Viena a fim de questionar Sigmund Freud, a quem conhecera pessoalmente em 1906, acerca dos fenômenos paranormais. Ouviu do Pai da Psicanálise que não perdesse tempo com bobagens. Porém, enquanto Freud se alongava em seu discurso, estalidos começaram a pulular pelo consultório e a estante de livros situada atrás dele passou a emitir ruídos tão fortes que ambos pensaram que ela fosse vir abaixo. Jung acresceu que era aquilo justamente a prova de um fenômeno catalítico de exterioração, ao que Freud redargüiu ser sua idéia um disparate. Jung, por sua vez, reafirmou que não só sabia do que falava como tinha a certeza de que no minuto seguinte se daria outro estalido. Freud fitou-o com olhos arregalados quando o novo estampido se deu, ainda mais forte que os de antes.
Jung desenvolveu conceitos em sua psicologia analítica que guardam estreita relação com a idéia de complementaridade, aceita pela da mecânica quântica, que vem revolucionando todos os paradigmas da ciência moderna desde 1920. A nova física entende o Universo como resultado da íntima interação entre nós, observadores dos fenômenos, e a realidade que nos cerca. Façamos aqui um paralelo: da mesma forma que a luz se manifesta devido à sua paradoxal natureza, visto que se compõe tanto de ondas como de partículas (ou quanta), o psiquismo como um todo nada mais é que resultado da interação entre a consciência de que somos dotados e os conteúdos inconscientes todos, também os coletivos, onde se encerram as possibilidades de todos os fenômenos, incluindo aqueles que desafiam nossa pobre e limitada lógica, já que podem ocorrer numa condição de relatividade absoluta, além dos limites do tempo-espaço, numa instância que foge à simples realidade tridimensional.
Jung, em sua genialidade, chama a atenção para o aspecto transgressivo dos arquétipos; isto é, situações que a priori se acham consteladas no psiquismo profundo e que podem vir à tona, rompendo na consciência como fenômenos premonitórios ou telepáticos, ou ainda clarividentes, dando ao indivíduo exata noção de determinado acontecimento do qual não poderia saber por vias normais ou comuns (racionais) de entendimento. Comumente, tais fenômenos se valem de nossos sonhos, devaneios ou estados alterados de consciência para que possam se manifestar. Afinal, quem de nós já não teve um palpite que se realizou, ou um pressentimento do que logo mais viria a ocorrer de fato? Casos assim são infinitamente comuns, lamento que a ciência não lhes dê a devida importância e que a parapsicologia seja vista ainda com reservas pelos saberes acadêmicos dominantes, que se julgam doutos e assentados sobre a verdade de sua objetividade.
Evidentemente, o fenômeno da exteriorização de arquétipos, consoante nos propõe Jung, pode estender-se espontaneamente para o campo da matéria, quando então manifestações ímpares como um poltergeist podem ocorrer, em função de um estado psicológico suficientemente forte, capaz de romper as barreiras convencionais do continuum espaço-tempo. Haja vista que o poltergeist, via de regra se traduz por elementos arquetípicos arcaicos e universais, materializando-se sob formas as mais próximas dos padrões instintivos primordiais, como é o caso do fogo, da água, da chuva de pedras, de ruídos assustadores (a lembrar os trovões, raios e tempestades que nos atemorizavam na pré-história) etc…
Ouso dizer, como extensão aos conceitos de Jung, que entre matéria e psiquismo não há sequer diferença; ambas essas entidades são aspectos distintos de uma mesma natureza, essencialmente psico-energética. A física quântica cada vez mais aceita a paradoxal complexidade dos fenômenos naturais; atesta-nos isso quando se descobre incapaz, por exemplo, de determinar a velocidade e a posição de um mesmo elétron em sua órbita, visto que o universo subatômico se mostra imponderável e não permite que ambas as medidas sejam tomadas ao mesmo tempo. É preciso, pois, no mínimo uma complementaridade de olhares para a apreensão de certos aspectos e eventos que desafiam a lógica cartesiana, e o poltergeist, guardadas suas características mais insólitas, pede um modelo de entendimento que leve em conta não somente fenômenos psicológicos próprios de um universo transpessoal, que somente agora começam a ser mais seriamente explorados pelas pesquisas da consciência, bem como a ampla aceitação da absoluta relatividade das verdades no campo físico dos fenômenos.
Tanto melhor que seja assim, parece mesmo que nosso destino é o de sempre deixarmos escapar as últimas verdades com a mesma impertinência que seria desejar reter água para sempre em nossas mãos. E isto porque toda verdade humana nada mais é do que a penúltima verdade; assim como se mostram mais instigantes as sinfonias inacabadas, que nos põem diante da música da vida com a certeza de uma escuta aberta que nunca irá saber qual é nem onde está o fim de tudo. Fim este que, convenhamos, talvez nem mesmo exista!
obs: as fotos apresentadas junto ao texto, consideradas autênticas, dizem respeito a diferentes casos clássicos de Poltergeist pesquisados pela P.A. e/ou pela S.P.R. de Londres; não têm a ver, portanto, com o caso por mim pesquisado, ocorrido na capital de São Paulo, em 1985.