Noite clara, fogueira armada e à espera de ser acesa. Suave toque das brumâncias, o floripôndio senhor-dama da noite perfuma o reservado do jardim. Convoco os morcegos, animais de poder meus amigos que em bando tecem revoada, autorizando-me ao sagrado rito mágico.
Aceso o fogo, por horas a fio silente, penetro as crepitantes labaredas nas criptas que esculturam a lenha e atravesso-me em paisagens piromânticas. Miro as rubras gárgulas a guardar as altas torres do secreto templo à porta do qual me ponho simples postulante. Descalço piso as cinzas espraiadas em torno da pira, esse húmus do qual sou feito, e deixo queimar o transmutável dentro em mim pela ação das salamandras que me cobram verdade. Essas mãos que cuidam alimentar o fogo, mantê-lo vivo noite adentro, são tudo o que tenho a dar conta da pessoal missão a ser cumprida; para tanto, é preciso que eu esteja antes na humana posse de mim mesmo, despido dos excessos que me cegam, das tantas razões que mais enganam. Por isso, segue o signo:
HUMILBRASAS
A sós, à noite ao fogo me aconchego
e peço às salamandras seus conselhos…
Nas labaredas, mágicos espelhos
crepitam em queimar lenha sem sossego.
Penetro em miração Templo vermelho…
que há um mundo além dos meus crus olhos cegos,
e ao vê-lo, à revoada dos morcegos,
pequeno, pés na terra, eu me ajoelho.
Sou ego em fundição, razão queimada;
transmuta-me a fogueira, alma anciã;
vaidade em combustão, carvão me invade;
E eu queimo noite toda e madrugada
até sobrar-me em brasas da manhã,
carbono e cinza e pó, resto e humildade!
Paulo Urban, Sonetista do Aquarismo
2 de setembro, MMVIII
decassílabos heroicos