Quando dali a algumas horas, creio eu, de meus olhos se tiraram as vendas, estava a sós em ampla sala, ajoelhado entre archotes, eram duas grandes velas bem calçadas em seus respectivos pedestais de bronze, e havia um enorme quadro coberto por um manto de cor púrpura, preso à parede de pedras à minha frente. Olhos vendados tempo todo, inevitável, eu estivera a refletir sobre a vida e a morte naquela secreta câmara.
Havendo, pois, passado pelo Espectro e sobrevivido à sua rutilante cimitarra, embora me soubesse ileso, jamais me diria incólume, tal fora o aterrador do encontro e o inclemente discurso que escutei de sua boca.
Enfim, ratificados os votos preliminares que todo neófito da TAO (Tradição Alquímica do Ocidente) deve prestar no ‘atravessar do Umbral’, minha Iniciação, embora já se fizesse longa, somente agora de fato começava. Archote em punho, estava ao meu lado o Guardião, o mesmo irmão que horas antes, lá fora, designado a ser meu guia, advertira-me quanto ao terror do Espectro. Ele agora me fazia ajoelhar ali, sobre o aveludado vermelho da pequena banqueta. Apesar da pouca luz no ambiente, a arquitetura medieval se revelava esplendorosa. O Guardião, então, me falou:
— A senda anímica começa sempre pelo espelhabismo. Pois, é somente assim, refletindo sobre si mesma, que a alma se inclina sobre o abismo de onde provém no intuito de desvelar seus próprios segredos; atraída pelo abissal chamado, projetando-se no vazio, lança-se à queda mítica que a fará constelar-se no denso reino da existência. Pois, será aí, na samsara do zodíaco, a peregrinar em Malkuth, esquecida da própria origem e inconsciente de suas atemporais escolhas, que ela começará a chamar pelo nome de todas as coisas, buscando assim, mais a fundo conhecer-se.
E tendo solenemente proferido estas palavras, sacando da afiada tigona que trazia embainhada na cintura, ele cortou ambos os laços que suspendiam o manto à minha frente, descerrando à altura de meus olhos o Espelho que em seu encanto e mistérios, me convidou a penetrá-lo. Neófito ajoelhado entre archotes, assim (me) enxerguei:
ESPELHO TEMPLÁRIO
Eu vi além do espelho uma outra face
e atravessei a ponte além de mim;
subi degraus de cedro e de marfim,
descalço fui bater Portal Solace.
O monge me cobrou palavra e passe
e o Templo se me abriu senda carmim.
Secreto, seu altar era um jardim;
saudei ao leste o Mestre e a nova classe.
Neófito, provei sete Planetas,
mesclei mercúrio e enxofre entre os meus sais…
Sonetensaio em versos nas retortas,
ajoelhado eu sigo em sombras tortas
buscando em labirintos pelas gretas
meu Eu além do espelho e dos umbrais.
Paulo Urban
decassílabos heroicosNotredame de Paris
Julho, MCMXCVIII