Amigo da Alma Rotating Header Image

Inspiração # 4 – por Homero Pimentel

SABORES DO SABER

(Por Homero Pimentel)

*(artigo publicado na sessão ‘Inspiração’ da “Revista Nova Consciência”, edição # 4, janeiro/2008 – apresentado aqui na íntegra, sem cortes de edição)

“Não deixes de lado as dissertações dos sábios, mas interessa-te por suas máximas”;

assim roga o Eclesiástico; capítulo 8, versículo 9, livro de teor sapiencial, escrito por Jesus, filho de Sirac, de Jerusalém, por volta do ano 200 a.C.

Façamos valer, pois, a sugestão bíblica, aplicando-a a uma das mais célebres máximas da sabedoria árabe:

“Aquele que nada sabe e não sabe que sabe, é tolo; evita-o.
Aquele que não sabe e sabe que não sabe, é humilde; ensina-o.
Aquele que sabe e não sabe que sabe, dorme; desperta-o.
Aquele que sabe e sabe que sabe, é sábio, segue-o”.

Vale o pensamento, mas o caso é que o velho Sócrates (470-399 a.C.), considerado o maior sábio de toda a Grécia antiga, homem que trazia enorme consciência do quanto sabia, preferia declarar-se ignorante diante de tudo aquilo que julgava estar à sua frente, desse imenso desconhecido que resta por saber. Seus ensinamentos e sua rigorosa conduta ética continuam fazendo dele um dos maiores sábios que a humanidade conheceu. Mas a sabedoria de Sócrates decorre, antes de tudo, de sua clareza em sempre ter-se declarado um aprendiz da vida. É o que expressa sua imortal sentença: ‘Sei que nada sei’, à qual Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935), antepôs a irônica extensão: ‘Nem sei que nada sei!’

Sempre lúcido, Sócrates desconfiava do quanto de maior e mais profundo jamais alcançaremos nesta vida e propunha que, em vez de sairmos por aí exercendo a soberba da vã sabedoria, procurássemos humildemente nos conhecer melhor, razão pela qual o filósofo valorizava o dístico inscrito no portal do famoso oráculo de Delfos, propriamente seu lema de vida:

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os segredos dos homens e dos deuses”.

Ruínas do Templo de Apolo – Oráculo de Delphos

Afinal, o que é a sabedoria? Ora, não serei eu o tolo a responder a isso. Mas uma despretensiosa visita ao dicionário, o tal ‘pai dos burros’ como eu, nos permite brincar um pouco, assim como fazem as crianças quando se flagram descobrindo as tantas coisas que não sabem.

Curiosamente, ‘sabedoria’ é palavra que vem antes de ‘saber’, o que bem prova o quanto ela independe do conhecimento. A propósito, todo o saber do mundo, seja humano ou científico, não pressupõe sabedoria alguma; esta, aliás, parece mais espelhar um estado natural de alma que nos permite compreender e aproveitar melhor a vida, sem que para isso seja preciso ler livro algum.

Mas o dicionário também nos conta que depois do ‘saber’ vem o ‘sabor’, e que cabe ao ‘sábio’ situar-se sempre entre esses dois termos; afinal, de que valeria tanto saber se não tivéssemos o gostinho de bem aplicá-lo?

Lao-Tsé

Existe ainda o termo ‘ressábio’. Não, não se trata de um ‘sábio que se repete’; pudera, um sábio que ficasse se repetindo em vez de querer aprender algo, que só quisesse mostrar o quanto sabe, só nos deixaria ‘ressabiados’, isto é, desconfiados diante de seu pretenso saber. ‘Ressábio’, explica o dicionário, nada mais é que o ‘gosto que fica na boca’; é cognato de ‘sabor’, derivado do latim sapere, mesma raiz de onde vêm ‘saber’ e ‘sapiência’. Por esta última palavra distinguimos nossa espécie: sim, somos todos Homo sapiens, homens comuns buscando conhecer a sabedoria dos deuses, talvez apenas viável àqueles que, à maneira de Sócrates, saibam admitir primeiramente a ignorância quanto à própria natureza.

De fato, o autoconhecimento parece ser a chave que nos leva ao jardim das delícias e sabores do verdadeiro saber. Com diria o sábio chinês, Lao-Tsé (século VI a.C.), autor do Tao Te King:

“Conhecer os outros é uma sabedoria. Conhecer a si mesmo é uma sabedoria suprema”.

O que mais desejaria um sábio?

_____________________________________

* Homero Pimentel (1939-2008) é historiador e autor do livro Santos Dumont, Bandeirante dos Ares e das Eras, editora Madras, prêmio Clio de História pela Academia Paulistana da História.

Para ler outro texto do Professor Homero, acesse: “Saudades só se diz em Português”.

Leave a Reply