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Relatividade de Escher

“Minhas imagens requerem uma explicação, porque sem isso elas são muito herméticas e têm muito de uma fórmula só para os Iniciados. Ao mesmo tempo, o conjunto de ideias que elas expressam, embora essencialmente factual e impessoal, parece, para minha constante surpresa, ser tão pouco usual e, nesse sentido, tão inédito, que eu não conseguiria encontrar um expert com suficiente compreensão para escrever a seu respeito, sem ser eu mesmo”, escreveu Escher, em 1958.

Autorretrato, 1922

Autorretrato, fevereiro de 1922

Sinto-me, neste particular, solidário ao artista holandês; bem sei o quanto são herméticos esses meus sonetos; daí a necessidade de virem muitas vezes acompanhados de algum texto composto para especialmente melhor apresentá-los, a fundar os assim chamados ‘sonetextos’.

Pois, tal foi o impactassombro de que me vi tomado quando pela primeira vez deitei os olhos nas maravilhuras de Escher que, desde então e vez por outra, deito-me a redigir alguns versos inspirado em seus trabalhos, jamais, é claro, na tola presunção de explicá-los, senão na tentativa de resgatar algo de sua auranatomia esotérica, cuja singularíssima simetria, uma constante em sua Obra, faz encerrar os mais paradoxais questionamentos. Seus trabalhos têm esse poder de causar espasmolhares de surpresatônita em todo aquele que com eles se depare. Através das lentes escherianas somos transportados a espelhos os mais incríveis, a uma multiplicidade de universos antes não divisos, às impensáveis perspectivas que nos permitem mirar essa complexidade com que se organizam os segredos mais óbvios, e que, por suposto impressos no cerne de todas as coisas, acham-se, pois, arraigados na imago dei que flamba nossas almas.

As litografias e xilogravuras de Mauritius Cornelius Escher por seus ângulos e mirares suscitam muitos mistérios que jazem dormentes no mais profundestado de nós mesmos, instância utópica onde moram nossas maiores antíteses e contrastes que se relativizam na comunhão de um perfeitestado de conflitarmonia. Esses mirabolantes escherefeitos traduzem, pois, quase sempre em pretebranco, as cores de uma inconteste geometria anímica que se reflete a si mesma. Sua arte é labirintespelho que nos desafia a dar voltas em (re)torno de um perdido núcleo,  circundando aquilo tudo que, podendo um dia ter sido, preferiu desdobrar-se em espe(ta)culares modos este seu secretestado de estar sempre assim a vir, contudo. Pois, seguir Escher é estar jamais a alcançá-lo; vale, entretanto, esse prazer indescritível de nos darmos por perdidos atrás da linha, a indagar o que fazemos nesse tão estranho mundo que nos prende em seu giro e torvelinho dia e noite e desde sempre.

E na mesma condição com que me rio do fato de que estes meus sonetextos nada explicam nem se explicam, é que me ponho a desenredar as linhas que me prendem em seus koans pudera escritos, com o que, lentespectro das vozes que me chamam à penescrita, procuro dar assim minha pessoal contribuição ao murmúrio do tempo – esse artesão do futuro – que em seu soprar de devires nos promete que jamais haverá liberdade conquanto amarrados estamos ao eternilusório jogo da Samsara.

Pois, bem nos lembra cada traço a nanquim de mestre Escher que negro e branco são cruéis realidades de uma só e imponderável virtualidade por trás de todos os matizes, a dar conta assim da relatividade com que vivemos a subir e a descer pela absoluta Roda dos dias, fadados ao sabor cinzento de suas engrenagens de infinita e percromática paixão.

Relatividade, julho de 1953

Relatividade, julho de 1953

RELATIVIDADE

soneto inspirado em litografia homônima de1953,
de Mauricius Cornelius Escher (1898-1972)

Samsara que eu só subo e desço escadas,
autômato trabalho em andamento,
da relatividade eu saio e entro
por portas que me abrem e fecham em nadas.

Imagens matemáticas têm centro,
mandalas simetrieternestradas,
o mundo um labirinto de emboscadas,
vertiginoso giro em que me assento.

Nova litogravura em quadros velhos,
nas lides sem sorriso em torvelinho,
sem rosto, eu só repito os movimentos.

Na roda em quadratura eu bebo o vinho
e morresqueço em meus renascimentos,
sou Escher, sou Mauricius, sou Cornelius!

Paulo Urban, Sonetista do Aquarismo
decassilabos heroicos
18 de julho, MMX – 13h

One Comment

  1. Maíra disse:

    Sempre gostei muito dessa imagem.
    Ainda, com soneto!!…
    Excelente!

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