Não poderia haver data mais propícia que uma Sexta-Feira 13 (por sinal, de agosto) para apresentar aos leitores esse poeta maldito, autor de estarrecedores soneteróticos. Madrugadas à pena e ao piano, escrevendo ou tocando à luz de velas, imerso em suas próprias fantasmagorias, Alan Rodrigues de Carvalho, confesso misantropo, mora em seu retirado castelete acompanhado apenas de seus três assustadores cães de caça e grande porte, dois machos, Cérbero e Caronte, e uma fêmea, Cloto. E é assim que Alan vive a esquivar-se das gentes que ele mal suporta, sobretudo dos bons vizinhos e cidadãos de bem, também do ruidoso profano em que se transformou o meio urbano. A muito custo, vencida sua arredia relutância, nosso confrade de letras acabou aceitando estrear aqui no Amigo da Alma com seu erótico:
Dama de Paus
composição que bem retrata este seu exótico prazer pelo soturno, pelo denso inaudito que costuma permear suas aventuras amorosas, delirantemente perigosas.
Fora sua preferência por súcubos e ninfetas do astral, ainda por mulheres carnais, sejam estas submissas ou dominadoras, Alan prosaicamente formou-se em engenharia química pela USP e já há algumas décadas dedica seus estudos à área experimental dos psicodélicos. Politicamente, inclinado ao prazer secreto da clandestinidade, ingressou precocemente (aos 14 anos) no partido comunista, em 1978. Com a anistia de 1979, embora contrariado diante dela, fez-se militante do PCdoB durante os anos 80-90, época em que cursávamos o mesmo Colégio. Hoje, descontente com os descaminhos (do crime, inclusive) pelos quais se perdeu a equivocada Esquerda brasileira, abandonou de vez as reuniões dos guetos políticos.
Sua obra, essencialmente insólita, é um desafio à crítica pós-moderna. Dotada de uma liberalidade sensorial ultrerótica capaz de nos levar ao êxtase sinestésico, mostra-se intensamente permeada por questões existenciais estonteantes. Sua poesia nos põe atônitos: não só provoca arrepios na alma como está contra-indicada aos psiquismos e sistemas digestivos mais frágeis, desacostumados à crua carne de seus versos. Afinal, são os vampiros, as gárgulas, os lobisomens e bestas-feras dentre outros seres do imaginário sombrio que desfilam por seus sonetos, marcadamente malditos e dotados de estranha e terrível beleza. Também seus temas reflexivos, trágicos e profundos, extrapolando os horizontes do mundo sensível nos levam a bater às portas da magia realista, convidando-nos a entrar em templos e universos secretos e sombrios, por onde mais se desfiam as linhas sinistras de sua verve poética.
Nesse sentido, vale dizer que o caminho esotérico de Alan iniciou-se também precocemente, logo ao término da adolescência quando, nos anos 80, conhecemo-nos jogando xadrez pelo Colégio em que estudamos. E foi por conta de uma sucessão de sincronicidades que nosso interesse em comum pelo ocultismo fez com que eu o levasse certa feita à presença de meu mestre sonetista, o artesão Christiano Sotero, que um ano depois de o ter conhecido já o convidaria a ingressar na TAO (Tradição Alquímica do Ocidente), Ordem iniciática da qual somos membros.
Adepto disciplinado, degustador de prolongados jejuns, Alan assina a chumbo e prata seus sonetos cuja arquitetura gótica nos remete às ogivas das velhas catedralmas. Seus 14 versos, soneto a soneto, refletem qual espelhos de um intrincado labirinto os absconsos escaninhos de sua alma perturbada, sempre propensa a projetar-se em seus próprios abismos na desenfreada ânsia de um dia conhecer-se em seus ontológicos segredos.
Alan também é um dos ‘poetas convidados’ do “Pão e Poesia – 2010“, projeto cultural de autoria do poeta mineiro Diovvani Mendonça. Lá publicou seu Artinnatura, sonetomenagem a Augusto dos Anjos, mestre que exerce notável influência sobre sua arte, poeta máximo a quem Alan sempre se refere pela alcunha de ‘O Leviathan da Paraíba’. Segue, pois, em decassílabos heroicos sua tão esperada sonetestreia:
DAMA de PAUS
Amante bruxa entrou janela adentro
e em voo se deitou em minha cama;
às velas, já despida, se esparrama,
volúpia em terremoto, ela é o epicentro.
Antes me dera um chá, estranha dama,
a tratar-me a anemia com coentro;
enfeitiçado, então, me desconcentro;
vampira, extrai-me o sangue e inda minh’anima.
E a cena toda noite se repete:
Dama de Paus em negro me visita,
faz-me beber seu chá, depois me morde,
ao súcubo me entrego e ela me excita,
e eu pálido lhe sirvo em paus Valete
até quando às manhãs, a sós, acorde!
Alan Rodrigues de Carvalho
madrugada, 30/III/2009
Oi, Amigo Paulo!
Que os Bons ventos levem o entusiasmo até Você!
Entusiasmo poético …Sempre e constante!…Alegria ter podido migrar aqui para ler mais um Sonetexto belíssimo!
Parabéns pela “Dama de Paus”…
Em verdade…Todo mundo armazena um mago dentro de si… “Um mago-alquímico, que traz a magia só pelo anunciar dos ventos de sua presença una”…
De fato, tudo isso é enigmático e encantador… Parabéns pela escolha das palavras e da poesia!
Beijos da leitora e amiga…
Cindia de Oliveira -SP
Conforme se verifica na Santa Kabbalah, a Matemática é «Mathesis», a Música é o metro, e o trovador aqui se expressa por tópicos e tropos… E citando, dessarte, o Heráclito, «o tempo é uma criança jogando ao gamão, o reino de uma criança.» Ora, em lugar de «gamão», leia-se o «Tarot»; e, em lugar de «criança», se aduza, aqui, o «Espírito Santo». Sob o signo do jogo, e não e nunca do jugo, se a-presenta, deveras, o ofício do jogral; sob o signo do som e da harmonia das esferas, o ministério menestrel é re-apresentação. Nasceu o sonetista pra cantar e decantar ao som do saltério; nasceu o terapeuta pra sarar e pra curar as ovelhas perdidas da casa de Israel………..
PAULO JORGE BRITO E ABREU
Impressionante! Adorei saber! Gratidão ?