Um dos poetas contemporâneos com cuja obra muito me identifico é Alan Rodrigues de Carvalho, cuja extensa lavra inclui principalmente sonetos malditos e eróticos, também dotados de cunho filosófico, esotérico e existencial.
Privei-me diariamente de sua companhia durante os três seguidos anos em que partilhamos dos mesmos bancos escolares. Àquela época apreciávamos as brilhantes aulas ministradas pela Prof.ª Marta Marques da Silva, que nos ensinou amar também a mitologia clássica, além da literatura. Foi ela ainda quem nos guiou em descobrir os fabulosos gênios de Machado de Assis, Guimarães Rosa e Érico Veríssimo, dentre outros gigantes da Língua. Também adorávamos o ministério do Prof. Roberto Melo Mesquita, de quem herdamos, muito além de sua bem conceituada gramática, amor e preferência pelos sonetos.
Professor Mesquita considerava a forma soneto, desde que escritos com economia e encadeada riqueza de imagens, verdadeiras obras-primas emolduradas em quatro estrofes, 2 quartetos e 2 tercetos. “São feito operetas’, pregava ele entusiasmado, ‘posto que dotados de voz e musicalidade, de métrica e ritmo a dar conta de toda uma história que deve ser inteiramente contada, começo, meio e fim, dentro de tão-somente 14 linhas’ (fora as entrelinhas, claro)”.
“É que toda arte verdadeira requer boa dose de medida e deve fluir livre, sem que dela se perca uma só gota”, dizia o professor, a nos lembrar ‘A Temperança’, Arcano XIV do Tarô, não à toa o selo através do qual o tarô representa a Tradição Alquímica do Ocidente, com toda sua sabedoria esotérica.
No tocante à artesotérica de Alan, cumpre dizer que ele e eu comungamos dos ensinamentos do artesão Christiano Sotero, 78 anos, também nosso mestre sonetista. É de seu vinho de sabedoria que sorvemos nos trabalhos alquímicos realizados em sua biblioteca-laboratório, onde se oculta seu particular tesouro: livros raros e iluminuras alquímicas, seu bestiário, seus remédios a incluir nosódios, florais e outras medicinas para a alma – além de seus próprios sonetalquímicos, alguns dos quais já publicados no Amigo da Alma: A Pedra, Cosmicalquímico, Raposáguia e Panterespectro.
Pois é assim, visando a quadrar o círculo e buscando unir o sal à água de modo a estreitar a ponte entre via seca e via úmida, e ainda na febril procura pela Pedra e o Elixir, que Alan e eu seguimos palmilhando as Estações da Alma ao longo da senda da Grande Iniciação, submetendo-nos aos seus processos de transformação. Sub rosa ajoelhados, quer a sonetar, quer a meditar, tentamos dar conta da retorta alquímica que nos foi confiada, conforme a práxis esotérico-literária a nós ministrada por mestre Christiano Sotero.
Apresento-vos, pois, conforme prometido em Dama de Paus, o soneto Artinnatura de Alan Rodrigues de Carvalho, a expressar o êxtase em que se traduziu seu encontro anímico com o Augusto dos Anjos, “o Leviatã da Paraíba’ como Alan prefere chamá-lo, que, em sua consciência de quiróptero visitou-o certa noite na caverna onde este meu amigo escreve – comumente à luz de velas – fazendo com que ‘a verdade se levantasse das pedras mortas, a abrir-lhe assim todas as portas’ aos transcendentais e esotéricos ensinamentos que o poetaugusto legou à humanidade, cifrados e ocultos que estão por trás da singularidade do Eu, obra-máxima de sua alma.
Por isso, segue o signo:
ARTINNATURA
Às noites em meu quarto solitário
ouço batidas fortes e sonoras;
lúgubre carrilhão das densas horas,
retumba a madrugada em campanário.
Nas asas dos morcegos a alma aflora;
errante, voa e cumpre o itinerário,
refaz item por item questionário
que no escuro dos quartos sempre mora.
Inquietações da angústia da caverna
gotejam feito versos de um soneto,
explodem feito dor em dinamites!
– Augusto, acende logo tua lanterna!
E vê pingando em último terceto,
dos Anjos, pranto em estalactites.
Alan Rodrigues de Carvalho
(decassílabos heroicos, madrugada de 3 de agosto, 2001)
Belíssimo. Nas entrelinhas, voa a imaginação do leitor. Nos versos a seguir, minha alma encontrou-se:
“Inquietações da angústia da caverna
gotejam feito versos de um soneto,
explodem feito dor em dinamites;”
Lindo, perfeito soneto. Eu também o considero uma obra prima entre os poemas. Inspirou-me o singelo hai kai:
“Noite, solidão, morcego,
angustiosas estalactites nas cavernas
mais inquietam meu desassossego”.
Grato à Morgana pelo estimulante comentário; e agradeço também às belas linhas de Vera Maria, que desdobra nossos sentimentos em novos versos, em seu fluido Hai Kai. Adorei.
Fantástico!
Divino!
“Augusto, acende logo tua lanterna!
E vê pingando em último terceto,
dos Anjos, pranto em estalactites.”